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Filha de pedreiro, aluna de medicina da USP vende pão de mel para pagar intercâmbio em Harvard

A jovem foi selecionada para participar do curso de nanotecnologia na universidade americana, mas não tinha recursos para custear a viagem.

Nathalia Oliveira, de 22 anos, moradora de um bairro calmo de Vargem Grande Paulista, cidade na região metropolitana de São Paulo, enviou uma dica de pauta para o perfil da BBC News Brasil no Facebook, no dia 27 de novembro. A sugestão era a história dela mesma.

“Olá, meu nome é Nathalia Oliveira e tenho uma sugestão de reportagem para vocês”.

“Tive minha vida transformada pela educação: cresci na periferia de São Paulo, filha de pedreiro e neta de um trabalhador da roça do Ceará. Ambos me incentivaram nos estudos e hoje estou prestes a sair uma vez mais das estatísticas: fui aprovada para fazer um intercâmbio de pesquisa científica em Harvard no ano que vem.”

Vinte dias depois da publicação ela recebeu a visita da reportagem na casa onde vive com os pais.

“Você achou a rua fácil?”, pergunta. “Celular aqui não funciona direito.”

Ela contou que estudou quase todo o tempo em escola pública e depois com uma bolsa fez cursinho preparatório e passou em 4 faculdades de medicina públicas.

Agora, uma ano depois de estar estudando na Universidade de São Paulo, ela foi aprovada para passar um ano estudando na universidade americana de Harvard, uma das mais famosas e importantes do mundo.

Mas ai apareceu o pior empecilho, como custear toda a viagem? Seus pais são humildes, o pai Antônio Carlos de Oliveira, 49, é pedreiro e a mãe Maria Helena de Oliveira, 48, dona de casa.

Até os 13 anos Nathalia viveu em São Miguel Paulista, bairro do extremo leste de São Paulo

A família morava de favor em uma casa emprestada por parentes. “A Nathalia teve uma vida de privações, humilde”, conta Maria Helena, enquanto serve um copo de água. “Quantas vezes eu não disse ‘não’ para as coisas que ela e a irmã queriam?”.

Mas os pais se esforçaram e pagaram o ensino fundamental em uma escola particular para as duas filhas.

Depois eles conseguiram se mudar para uma casa própria em Vargem Grande e Nathalia passou no processo seletivo para cursar o ensino médio em uma escola técnica estadual em Cotia, cidade vizinha.

Nathalia conta que essa escola foi fundamental para que ela desempenhasse bem até chegar a faculdade pois a qualidade do ensino era melhor do que as escolas públicas e fez com que ela pudesse se preparar melhor para enfrentar o concorrido curso de medicina na faculdade pública.

Os números demonstram que as unidades têm desempenho melhor no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), por exemplo. Segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo, 19 das 20 escolas públicas da capital paulista com os melhores resultados no Enem do ano passado eram técnicas. Das 30 melhores estaduais do Brasil, 13 eram Etecs paulistas. A nota média das escolas técnicas no exame foi 559,42 – 10% maior que as estaduais comuns.

Durante três anos Nathalia fez curso preparatório para vestibular de medicina, com bolsa que ganhou devido a suas notas nas provas.

“Ela saía às 5h de casa. Para chegar no cursinho, pegava carona com um vizinho até Cotia, depois ônibus, trem e metrô”, lembra a dona de casa. “E não tinha hora para voltar.”

Nathalia percorria 48 km para chegar ao cursinho na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. “Tinha dias que eu demorava duas horas e meia para chegar”, conta ela.

Nas duas primeiras tentativas elas não conseguiu passar em 2014 e 2015, mas ela nunca desistiu.

“Eu não conhecia ninguém que tivesse entrado, nem na família nem entre meus amigos. Mas eu era otimista, sabia que uma hora iria conseguir”, diz.


Em 2016, veio a boa notícia: Nathalia passou em cinco instituições públicas de uma vez: Unicamp, Unesp, Unifesp, UFMG e a sonhada USP.

Antônio comparou o esforço da filha para chegar lá com o dos outros candidatos:

“É como se ela estivesse cavando com uma pá, enquanto os outros usam uma escavadeira.”

Os pais de Nathalia acompanharam a filha no dia da matrícula. “Reparei que todos os alunos na fila tinham pais ou parentes médicos. Um era o pai, o outro, a mãe. As pessoas passavam e perguntavam: ‘e aí, quem é o médico da família?’ Como eu ia dizer que sou pedreiro?”, lembra Antônio.

Depois daquele dia os pais que não se sentiram bem no local, nunca mais foram acompanhar a filha.

“Senti que eu não sou parte daquele lugar, não me sinto à vontade”, explica Maria Helena.

Nathalia também contou que em uma mesa com colegas, eles começaram a falar sobre a profissão dos pais:

“Respondiam que eram engenheiro, médico, farmacêutico, publicitário. Quando chegou minha vez, eles pararam e não perguntaram nada. A brincadeira acabou e fomos embora. Talvez para não gerar um constrangimento. Não tenho nada contra ninguém, adoro meus amigos, vivo experiências muito boas na USP. Mas é óbvio que minha origem é diferente da maioria dos alunos”, diz.

Agora, ela foi uma das selecionadas para estudar durante um ano em Harvard:

Na primeira etapa ela passou, mas a segunda era em inglês e foi mais um desafio:

Estudei com uma amiga da minha mãe, aos domingos. Meu nível é intermediário. Pensei: nunca vou conseguir passar”, diz, rindo.

“Na entrevista, o professor fazia várias perguntas que eu não entendia. Eu falava: ‘can you repeat, please?’. Ele repetia uma três vezes até eu entender. Saí da entrevista arrasada, achei que só passaria por um milagre.”

Milagre ou não, ela recebeu um e-mail da universidade dias depois: estava aprovada em um curso de nanotecnologia voltada à saúde em Harvard.

Ela ligou para o pai para dar a boa notícia.

“Ele não falou nada e passou o telefone para minha mãe. Achei esquisito a reação”, conta ela. “Depois, minha mãe disse que ele estava chorando.”

Mas o sentimento era um misto de felicidade e de ansiedade, pois de onde viria recursos para passar um ano em Massachusetts?

Por meio de um convênio com a USP, um banco deu uma bolsa de U$ 6 mil (R$ 23 mil) à aluna. Mas ainda faltavam mais de R$ 30 mil para custear as passagens, moradia, alimentação e transporte.

“Começamos a fazer pão de mel para vender”, conta Maria Helena. Para ajudar, amigos da família venderam o doce em estabelecimentos em Vargem Grande. A estudante também vendeu pão de mel na Faculdade de Medicina.

“Arrecadamos uns R$ 2 mil”, diz Nathalia. Ainda faltavam R$ 28 mil.

A jovem resolveu criar uma campanha de financiamento coletivo no site Catarse. O objetivo era conseguir R$ 28.391. Até esta quinta-feira, 190 pessoas já tinham ajudado. Faltavam R$ 80 para a universitária conseguir atingir seu objetivo.

Nathalia viaja para os Estados Unidos em 21 de janeiro, em sua primeira viagem de avião.

Ela diz que como forma de retribuir a sociedade o que aprendeu pretende trabalhar no Sistema Único de Saúde (SUS).

“Acho que todos os estudantes deveriam passar pelo menos dois anos no sistema público”, afirma.

A família não terá condições de visitar Nathalia durante esse ano fora e o pai prefere nem tocar nesse assunto.

Tamires, irmã de Nathalia recentemente passou em engenharia civil na USP.

“Tomara que para ela seja um caminho mais fácil”, diz o pai Antônio.

Sua mulher, Maria Helena, completa: “A gente vive nossos sonhos através dos filhos, né?”


Nathalia Oliveira e seus pais, Antônio Carlos e Maria Helena de Oliveira, na casa da famílias em Vargem Grande Paulista, em São Paulo — Foto: BBC
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