Em sua pureza, as crianças são capazes de ver o mundo de uma forma muito mais prática e sincera, e nos dão grandes lições
Crianças têm facilidade em demonstrar os sentimentos, se gostam deixam isso claro e quando não gostam de algo, também expressam isso de forma simples e honesta.
Conversar com uma criança nos dá liberdade para sonhar, para acreditar em coisas mágicas e ser feliz sem ficar segurando o peso da vida adulta, basta abrir o coração e entrar na frequência desses seres que tem a inocência como principal característica.
E considerando tudo isso e muitas outras coisas que fazem com que as crianças sejam tão dignas de amor, de cuidados, de respeito, e de tudo que se possa oferecer de melhor, não conseguimos entender ou aceitar quando algo triste acontece à uma criança.
Como entender que uma criança precisa ficar doente? Sofrer com tratamentos que muitas vezes resultam inevitavelmente em sua morte, e que o pouco tempo que tiveram de vida, foi de luta e tristeza?
Difícil entender que uma criança nasça e logo cedo descubra um câncer severo, por exemplo.
Dr. Rogério Brandão, um oncologista do do Hospital do Câncer de Pernambuco, deu um depoimento emocionante contado sua história com uma menina que era paciente terminal de câncer, e conseguiu dar ao médico que tinha mais de 29 anos de profissão, uma das maiores lições de vida que já recebeu, dando uma definição incrível para a morte.
Leia na íntegra o relato do Dr. Rogério Brandão:
“Como médico cancerologista, já calejado com longos 29 anos de atuação profissional, posso afirmar que cresci e modifiquei-me com os dramas vivenciados pelos meus pacientes.
Não conhecemos nossa verdadeira dimensão até que, pegos pela adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito além.
Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional. Comecei a frequentar a enfermaria infantil e apaixonei-me pela oncopediatria.
Vivenciei os dramas dos meus pacientes, crianças vítimas inocentes do câncer. Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento das crianças.Até o dia em que um anjo passou por mim!
Meu anjo veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada por dois longos anos de tratamentos diversos, manipulações, injeções e todos os desconfortos trazidos pelos programas químicos e radioterapias. Mas nunca vi o pequeno anjo fraquejar.
Vi-a chorar muitas vezes; também vi medo em seus olhinhos; porém, isso é humano! Um dia, cheguei ao hospital cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto.
Perguntei pela mãe. A resposta que recebi, ainda hoje, não consigo contar sem vivenciar profunda emoção.
— Tio, disse-me ela — às vezes, minha mãe sai do quarto para chorar escondido nos corredores. Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muita saudade.
Mas eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!
Indaguei: — E o que morte representa para você, minha querida?
– Olha tio, quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos em nossa própria cama, não é? (Lembrei das minhas filhas, na época crianças de 6 e 2 anos, com elas, eu procedia exatamente assim.) É isso mesmo.
Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!
Fiquei “entupigaitado”, não sabia o que dizer. Chocado com a maturidade com que o sofrimento acelerou, a visão e a espiritualidade daquela criança.
– E minha mãe vai ficar com saudades – emendou ela.Emocionado, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei:– E o que saudade significa para você, minha querida?– Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um a dar uma definição melhor, mais direta e simples para a palavra saudade: é o amor que fica!
Meu anjinho já se foi, há longos anos. Mas, deixou-me uma grande lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores.
Quando a noite chega, se o céu está limpo e vejo uma estrela, chamo pelo “meu anjo”, que brilha e resplandece no céu.Imagino ser ela uma fulgurante estrela em sua nova e eterna casa.
Obrigado anjinho, pela vida bonita que teve, pelas lições que me ensinaste, pela ajuda que me deste. Que bom que existe saudade! O amor que ficou é eterno.”
(Dr. Rogério Brandão, oncologista)