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A funcionária da Vale que alertou sobre o desastre e fugiu de ré em caminhão com 90 toneladas

Trabalhadores que estavam na Mina do Feijão em Brumadinho (MG), e conseguiram sobreviver contam como foi o momento da tragédia.

Ana Paula da Silva Mota, de 30 anos, motorista de caminhão da Vale, dirigia um caminhão de minério em uma estrada a apenas 550 metros da barragem quando ocorreu o rompimento.

Ela conta que as 12h28, ela olhou na direção às montanhas e viu o rompimento acontecendo e surgindo a enorme onda de lama.

“Eu estava de frente para a barragem. Acho que fui uma das primeiras pessoas a ver (a avalanche). Não dava para acreditar”, diz Ana Paula

Em questão de segundos, a encosta verde de 87 metros de altura, que sustentava 11,7 milhões de toneladas de rejeito de minério de ferro, cedeu e se transformou em uma avalanche de lama. Tinha mais de 300 metros de comprimento e, em alguns pontos, até 20 metros de altura. De acordo com o Corpo de Bombeiros, a velocidade inicial era de 80 quilômetros por hora.

“A onda veio muito rápido. Mas também parecia que estava em câmera lenta. É algo muito estranho, não consigo explicar”, fala Ana Paula, mãe de uma menina de 8 anos e um menino de 3 anos.

Ela estava em um trecho final de uma estrada de terra que levava para dentro da mina e dirigia o gigantesco e potente Fora de Estrada 777, mega caminhão usado para transportar minério, com cinco metros de altura e 11 de comprimento – o pneu, por exemplo, é mais alto que a motorista. A caçamba estava carregada com 91 toneladas de minério, que seriam despejados nos vagões do trem.

No primeiro momento, Ana Paula não entendeu o que estava acontecendo. “Achei que era uma detonação na mina”, diz ela. Só instantes depois, compreendeu que a barragem havia estourado. “A gente achava que essa barragem estava seca. Olhando de cima, parecia um campo de futebol, firme, duro, não tinha esse lamaçal. Ninguém imaginava que estava assim por dentro”, conta.

Além disso, “eu nunca tive receio dessa barragem, porque a Vale sempre passava muito treinamento de segurança. Inclusive, uns três meses antes, tinham feito uma simulação (de evacuação de emergência)”, acrescentou Ana Paula.

Mas, “quando caiu a ficha, peguei o rádio transmissor (do veículo) e comecei a gritar desesperada: ‘corre, foge, a barragem estourou’. Quem estava naquela faixa (de rádio) me escutou gritando. Depois, fiquei sabendo que teve gente que escapou porque ouviu uma mulher chorar e gritar no rádio. Era eu”, diz ela.

Ela conta que tentou chamar a central pelo rádio, mas nesse momento o local já havia sido totalmente soterrado.

Ela apenas 30 segundos a onda já havia chegado a cerca de 100 metros onde o caminhão com Ana Paula estava.

“Minha vontade era me jogar naquela lama para ajudar a salvar as pessoas, mas não tinha jeito. A onda era muito mais forte que qualquer um de nós”, fala ela.

Se a onda tivesse seguido em linha reta teria atingido Ana Paula em cheio, mas fez um curva no ponto onde começava a estrada que ela estava.

De lá, seguiu para a área administrativa e o refeitório – onde, acredita-se, estava a maior parte das vítimas.

Assim, a trabalhadora assistiu atônita à maior parte da avalanche desviar da sua direção e correr pelo seu lado direito, destruindo tudo que havia pela frente.

“Hoje, eu não posso mais olhar para uma montanha. Senão, eu vejo a onda vindo outra vez”, desabafa. No total, Ana Paula calcula que perdeu “muito mais que vinte” colegas na tragédia. Sua tia Rosário, que também trabalhava na Vale, está desaparecida.

Ela conta que outro mega caminhão subia a estrada em que ela estava, no sentido oposto, estava vazio.

Ela disse que ele não percebeu o que estava acontecendo, pois como o barulho das máquinas é muito alto, eles usam protetores auriculares e ela só viu porque olhou e ele estava de costas para a barragem.

Foi Ana Paula quem o alertou. “Eu buzinei e dei luz, desesperada, para avisar meu colega. Ele não ouviu minha buzina, mas acabou percebendo o sinal de luz e acelerou para subir a estrada”.

Mas a estrada não comportava a passagem de dois caminhões gigantes simultaneamente então ela precisou tomar outra decisão difícil, para que o colega pudesse acelerar.

Ela então encostou seu caminhão à direita da via e ficou parada, adiando a própria fuga. Enquanto a lama descia destruindo tudo pela frente.

“Se não fosse isso, a onda tinha quebrado em cima dele. Foi por muito pouco”, conta a funcionária da mina Córrego do Feijão.

Depois de passar por Ana Paula, esse segundo megacaminhão subiu por uma estrada lateral e se afastou da destruição da lama. Esse momento, ocorrido às 12h29, foi registrado por uma câmera de segurança da Vale – a mesma que gravou o rompimento da barragem, um minuto antes.

A imagem do caminhão do colega que foi salvo por Ana Paula foi transmitida por televisões do mundo inteiro, e ela diz que quando viu chegou a passar mal de nervoso de lembrar daqueles momentos.

“Fiquei com tontura, meu corpo ficou bambinho”, relata. Já o colega que dirigia o veículo mostrado na mídia, ainda muito abalado, não quis dar entrevista – por isso, a BBC News Brasil optou por preservar seu nome.

O sufoco de Ana Paula não acaba ali, ela estava de costas para a rota de fuga e não teria a menor chance de manobrar ali, então precisou pensar rápido.

“Então, eu pensei: vou dar ré”, lembra ela.

“Só que era uma subida e o caminhão estava cheio de minério. Eu achava que não ia subir de ré, mas era minha única opção. Então, fui dando ré e pedindo a Deus para me salvar. Eu dava ré e a lama ia chegando mais perto. Foi Deus que colocou a mão atrás do caminhão e puxou”.

Forma 150 metros subindo de ré, com 91 toneladas na caçamba, e de frente para toda aquela tragédia que passava diante de seus olhos.

Quando conseguiu chegar no topo e havia espaço, manobrou e dirigiu para longe dali.

As mesmas câmeras que mostraram tudo, filmaram Ana Paula saindo da enorme nuvem de poeira que tinha no ar.

Às 12h31, três minutos após o rompimento da barragem, quando parecia não haver mais vida alguma naquele local, o Fora da Estrada 777 de Ana Paula emergiu da poeira que havia sido levantada pela passagem da lama. Carregado de minério, o veículo se movia lentamente, último sobrevivente daquele campo de guerra.

“Se eu tivesse entrado em choque, paralisado, como aconteceu com muita gente, não teria saído dali. Eu acho que foi Deus que deixou minha cabeça boa para fazer o que eu fiz”, acredita a motorista dos super caminhões.

“Meu psicológico está abalado, mas tenho que ter força pelos meus filhos”.


Ana Paula da Silva Mota, de 30 anos, dirigia um caminhão de minério em uma estrada a apenas 550 metros da barragem quando ocorreu o rompimento. — Foto: VITOR FLYNN/BBC NEWS BRASIL
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