Daniel Lopes da Silveira, 38 anos, natural de Novo Hamburgo (RS), foi preso em shopping da capital paulista no dia 24 de julho, e está detido no Presídio Central de Porto Alegre.
Várias mulheres já procuraram a polícia para denunciar os crimes de Daniel, mas existem ainda as que se sentem envergonhadas e ainda não se sentem encorajadas a ir denunciar.
Uma das vítimas que mais colaborou com a polícia, viveu com ele durante um ano e meio, os dois inclusive estavam morando juntos, na maior parte do tempo, pois como Daniel se apresentava como Policial Federal de uma equipe tática, dizia que precisava viajar pelo Brasil todo à serviço.
A mulher com quem ele teve um filho que está com apenas 4 meses, diz que eles se conheceram quando ela estava fazendo uma viagem à Torres (RS), por meio de redes sociais.
O modo de Daniel agir era sempre parecido. Enviava mensagens privadas a mulheres que conhecia na internet e começava a mandar fotos de seu ‘trabalho’, com uniforme e armas, que depois se revelaram serem réplicas.
A mulher contou que ele fazia viagens freqüentes a São Paulo e Brasília, ela fazia a compra das passagens com cartão de crédito, e diz que ele chegava todo mês com valor em casa, então ela acreditava que ele tinha trabalho fixo.
Ela conta que no início do relacionamento ele era educado e maravilhoso, mas com o tempo foi ficando explosivo e muito ciumento, fez com que ela se afastasse de familiares e amigos, e controlava tudo que ela fazia.
Mas ele começou a se enrolar com a questão financeira, sempre tendo desculpas estranhas, ela então passou a desconfiar e acabou descobrindo uma trama de mentiras, e que ele mantinha outras redes sociais, e se relacionava com mulheres em São Paulo, Santa Catarina, Paraná e outras, e com uma delas, também mantinha um apartamento alugado.
Para todas era a mesma desculpa de trabalho na polícia que o deixava livre para ir e voltar quando queria.
Algumas das vítimas começaram a se comunicar e a rede de mentiras foi desmoronando, a maioria delas teve grandes prejuízos financeiros e emocionais.
Ele também pedia dinheiro aos familiares das vítimas e depois que conseguia, ele começava a se afastar e as vezes até ameaçava com armas, para que não o importunassem.
A Gaúcha ZH, conseguiu contato com duas vítimas que contaram como foi sua vida com Daniel.
Confira duas histórias
Patrícia*, 42 anos, educadora, do RS
“Conheci o Daniel em fevereiro de 2017, pelo Facebook. Fazia três meses que tinha me separado de um relacionamento de 10 anos. Disse que trabalhava com imóveis. Depois, veio dizendo que era da PF, mas estava afastado. Em março, foi morar comigo em Novo Hamburgo. No início, encantava com palavras e carinho. Era café na cama, rosas. Tudo lindo e maravilhoso.
Por abril do mesmo ano, disse que ia conseguir retornar à PF. Fui ouvindo as histórias e acreditando. Eu tinha um carro, um Onix. Faltavam três parcelas para quitar. Ele me levou em uma revenda e mostrou um carro de R$ 100 mil (DS5). A parcela era R$ 1,8 mil. Ele disse: ‘ganho bem, sou policial’. Pagou algumas parcelas e nunca mais. Ele usava meus cartões de
crédito. Meu nome foi parar no SPC, Serasa. Ele se apresentava como policial federal. Sempre tinha desculpas quanto ao salário. O dinheiro não aparecia.
Conheci ele em fevereiro, a Alice* em junho e a Marina* em janeiro de 2018. Acredito que ele tirava dinheiro de uma e levava para a outra. Para minha mãe, ele pediu R$ 6 mil. Dei R$ 20 mil, mas ele precisava mais. Minha mãe, com 78 anos, tirou mais R$ 10 mil. Nunca pagou. Em outubro de 2018, ele disse: ‘tchau amor, eu volto às 22h para a gente dormir junto’. E nunca mais apareceu. Virou as costas e foi embora. Ficou tudo dele lá em casa. As roupas, calçados, até certidão de nascimento. Fiquei em depressão. Todo ano de 2018, tomando medicação. Depois que ele foi embora, emagreci 10 quilos.
Em novembro de 2018, ele me disse que estava detido na PF, mas não dizia o motivo. Fiquei com pena. Ele prometeu que no Natal ia sair: ‘Vou estar em casa. Pode esperar’. Chegou o dia, fiquei sozinha e fui dormir. E agora descobri que ele passou com outra o Natal e Ano Novo. Em maio (sete meses depois), cheguei e a porta da minha casa estava aberta. Ele estava lá. Pediu desculpas, disse que me amava, que queria voltar. Contou que era pai. Perguntou se eu aceitava a filha dele para a gente ser uma família. Me contou chorando. Mas não aceitei.
Hoje estou falida. Tinha meu nome limpo. Agora não consigo fazer empréstimo de uma agulha. Só consegui voltar a trabalhar em 2019. Isso é uma dor, uma cicatriz que a gente leva para o resto da vida. É uma história que tu vês de fora e pensa: ‘Como aquela mulher caiu nisso?’. Tenho graduação e pós. E fui ludibriada, enganada. Deixei de acreditar nas pessoas, queria deixar de viver.
Não moro mais na minha casa por medo dele. Me mudei, estou em outra cidade. Estou tentando me reerguer. Ainda tomo medicação, vou no psicólogo. Digo para as gurias: ‘vocês estão passando um luto que eu já passei’. Eu já sabia quem era o Daniel. Já chorei, já sofri tudo por ele. É o luto delas, o meu já fiz. Sei o que elas estão passando. Espero que apareçam mais mulheres. Tenho vontade de ajudar. A mulher tem vergonha de falar porque foi iludida. Se sente idiota, burra. Não podemos ficar quietas. Temos que dar força uma à outra.”.
Alice*, 27 anos, servidora pública, de SC
“Nunca denunciei. Um pouco por medo, outro por ficar na expectativa de receber o dinheiro. Conheci o Daniel em junho 2017, pelo Instagram. Conversamos pela rede social. Ele veio para a gente se conhecer. Marcamos em local público. Era um cara super bacana. Em seguida conheceu minha família. Super querido, atencioso. Queria relacionamento sério. Dizia ser policial federal.
Tinha foto dele na rede social com a camisa com o emblema da PF. E todas as vezes estava armado. Sempre que vinha, estava armado, fardado. Meu filho(quatro anos na época) adorava ele. Sempre disse que queria ser soldado quando crescesse. E o Daniel contava as histórias para ele da profissão de policial. Ele ficava encantado.
Depois de um tempo ele veio com uma história. A gente estava voltando da praia. Uma corretora ligou dizendo que tinha arrumado negócio para o terreno dele em Gramado (Serra). Ele falou que precisaria levantar dinheiro para a documentação do terreno. Contou a história bem detalhada. Precisava de R$ 30 mil. Ele não pediu dinheiro para mim. Mas eu emprestei e a gente combinou que assim que negociasse, ele ia devolver valor e pagar juros.
Ele vinha todos os fins de semana. Passava dois ou três dias comigo. Com o tempo, acabei desconfiando. Procurei no Portal da Transparência e não encontrei o nome dele. Ele veio com a história de que era policial afastado, que estava respondendo processo administrativo. Disse que a venda do terreno ia deixar ele mais tranquilo. Passou um tempo, acabei terminando por outros motivos. Ele estava extremamente ciumento.
Depois disso, fui cobrar e aí ele foi sumindo. Até que eu fui no RS para ver se achava a residência da mãe dele. E não encontrei. Parei num posto, vi uns policiais. Passei o CPF dele. Ele tinha na época várias ocorrências por estelionato. Aí que caiu a ficha. Depois de já ter terminado. Às vezes respondia por WhatsApp e dizia que ia pagar. ‘Vou depositar mês que vem’. Ele nunca dizia ‘não vou pagar’. Isso desencorajava a denúncia.
É diferente de uma pessoa que entra na tua casa e te assalta. Um ladrão não conheceu a tua família. Ele entra na tua cabeça. A gente acaba se sentindo usada. E pensa na exposição da família. Não denunciei boa parte por vergonha. Já estava me sentindo uma idiota. Fiquei bom tempo sem chegar perto de ninguém. Confiava 100% nele. Quando conhece alguém, não pensa que ele vai inventar uma vida que não existe.
Desenvolvi ansiedade. Tinha crise de desmaios do nada. Boa parte por conta da situação financeira. Ainda pago essa conta. Fiz empréstimo consignado, pago parcela de R$ 700. Tive medo de conhecer outra pessoa. Como confiar de novo? Sempre fica a sombra. A desconfiança. Ainda não aceitei tudo isso. Fico indignada. Sempre me virei sozinha. Vem uma pessoa de fora e leva o que tu não tem. O que eu não tinha.
Por mais que ele tenha me ludibriado, permiti que isso acontecesse. A culpa foi dele, mas foi minha também. Vem isso na cabeça. Como não enxerguei isso antes? Uma das coisas que talvez faça entender um pouco é que ele era profissional. Uma mente brilhante. Quando fazia uma operação, contava todos os detalhes. Citava nome de colegas, atendia ligação de pessoas que não existiam. Era muito elaborado.”
* Esses nomes são fictícios para preservar as vítimas.
Em depoimento, segundo o delegado federal João Rocha, responsável pelo caso, Daniel admitiu que havia enganado algumas mulheres.
— Ele, inicialmente, negou. Depois disse que tinha enganado mesmo, mas que ia resolver tudo. Genericamente, concordou que enganou várias pessoas. Ele diz que começou e não viu o momento de parar. Mas mesmo depois de um tempo afastado, teve a capacidade de ligar para essas mulheres, pedir mais dinheiro, e dizer que ainda as amava. Até quando estava próximo de ser preso, tem depoimentos de mulheres que confirmam que ele estava ligando para pedir dinheiro. É um estelionatário — afirma o policial.
Contraponto
A advogada Josiane Schambeck informou que ingressou com pedido de liberdade do cliente e que Silveira está colaborando com as investigações. Ela enviou nota à reportagem.
“O pedido de liberdade do Daniel já foi protocolado, e o Ministério Público já foi intimado também para apresentar seu parecer sobre o pedido. Após isso, irá para apreciação e decisão do juiz responsável pelo processo. Por enquanto vamos aguardar tal decisão e, se for o caso, entramos com o pedido de habeas corpus para que ele responda pelas acusações em liberdade. Os fatos já estão sendo melhor esclarecidos e algumas acusações nem deveriam estar sendo discutidas na esfera criminal. Mas, por enquanto vamos aguardar a decisão do juiz referente ao pedido de liberdade e seguiremos trabalhando para este fim.”
Josiane Schambeck
Como denunciar
Caso você tenha alguma informação, procure a Polícia Federal. O contato pode ser feito pelos telefones 51-3235-9013 ou 51-32359000 (horário comercial).
Vítimas de outros golpes, que não tenham competência federal, podem procurar outros órgãos de segurança, como Polícia Civil (197).